A Lei nº 13.058, de 22 de dezembro de 2014 modificou
diversos artigos do Código Civil, inovando e trazendo significado para a
expressão “guarda compartilhada”,
regulamentando seu uso e aplicação. Foram mais de dez anos de discussões e
tramitação do projeto de lei que veio modificar o Código Civil, trazendo esta
novidade. Mas alguns pontos devem ser bem definidos, tanto para que as partes
compreendam efetivamente o uso e alcance desta modalidade, quanto para evitar
eventuais erros de compreensão – alguns bastante comuns.
Primeiro ponto importante esta relacionado ao local de residência da
criança e o convívio com os pais. Existe grande tendência de se confundir a proteção da
pessoa dos filhos (que pode ser aguarda unilateral ou compartilhada),
em sua modalidade compartilhada com o
regime denominado por “convivência alternada”. Enquanto na primeira
modalidade (guarda compartilhada) a
responsabilização dos pais é conjunta e conjunto também é o exercício de
direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes
ao poder familiar dos filhos comuns, na segunda modalidade (convivência
alternada) o que ocorre é um efetivo revezamento, no qual por um período o
filho mora com o pai e outro com a mãe, alternando local de residência efetiva
(por maiores ou menores períodos, dependendo do acordo realizado). Contudo, sem
entrar em grandes polêmicas, vale lembrar que existem até mesmo opiniões de que
esse sistema alternado é complexo e difícil de ser sustentado no longo prazo,
com possíveis prejuízos às referências da criança.
Segundo ponto a ser considerado relaciona-se à própria instituição da
modalidade de guarda, seja
unilateral ou compartilhada, que pode
a) ser requerida, por consenso, pelo
pai e pela mãe,ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de
divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar; ou b)decretada pelo juiz, em atenção a
necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo
necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe. Por uma via ou outra, os
pais devem estar cientes desde o inicio de qualquer discussão que caso não
exista acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, e encontrando-se
ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, tem-se como regime padrão
a guarda compartilhada que deverá ser
aplicada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a
guarda do menor.
Deste segundo ponto, decorre nossa terceira investida no tema
(relacionada à primeira), ou seja, que a guarda compartilhada não envolve,
necessariamente, a obrigação de mudanças de endereço ou de “estadia”. Como
vimos, a convivência alternada pode até mesmo ser uma variável ou um acordo
dentro do regime da guarda compartilhada,
mas não é obrigatório. Em outras palavras, havendo acordo, o filho pode residir
em apenas um só lugar (com o pai ou com a mãe), fixando-se e buscando-se alternativas
de convívio – o que é até incentivado para que seja evitado que a criança seja
constantemente transferida de uma casa para a outra. Guarda compartilhada não significa divisão igualitária do tempo da
criança, e sim das responsabilidades, direitos e deveres de pai e mãe, em
função do poder familiar que ambos possuem sobre os filhos comuns. Vale uma
avaliação à parte / outro artigo, mas na guarda
compartilhada a divisão das despesas não é necessariamente de 50%
para cada um, o que significa dizer quem relação à pensão alimentícia, caso
os pais não cheguem a um acordo, o juiz definirá após a análise da situação
de ambos os pais e sempre de acordo com as reais possibilidades de cada parte
(salário e todas as demais fontes de renda, inclusive de arrendamentos e
aplicações financeiras, p.ex.).
Um quarto ponto que levantamos relaciona-se ao tempo de
convívio com os filhos. Na guarda
compartilhada deve ser dividido de forma equilibrada entre mãe e pai,
sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos. Vemos que
a preocupação da Lei que deu
nova redação do Código Civil é sempre melhor atender
aos interesses dos filhos. Mas especialmente
para os casos nos quais não se atinge consenso, para a definição destes
períodos de convivência sob guarda
compartilhada e para estabelecer as atribuições do pai e da mãe, o juiz, de
ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação
técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão
equilibrada do tempo com o pai e com a mãe.
A modificação do Código Civil também afeta terceiros, especialmente estabelecimentos, sejam públicos ou
privados, como por exemplo escolas, creches, berçários, hospitais,
prontos-socorros, dentre outros. Isso porque, qualquer destes estabelecimentos
tem a obrigação de prestar informações a qualquer dos genitores sobre os filhos
destes, sob pena de multa de R$ 200,00 (duzentos reais) a R$ 500,00 (quinhentos
reais) por dia pelo não atendimento da solicitação. Ou seja, é um claro
“recado” legal para que tais estabelecimentos não interfiram em qualquer
discussão dos pais – ou mesmo em caso de um divórcio litigioso ou uma vida
constantemente em litigio após a separação – evitando sonegar informações ao
pai ou à mãe.
Aos pais, vale um alerta que a
alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda
unilateral ou compartilhada pode
implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor. Isto sem contar
uma situação bastante discutida atualmente conhecida por “alienação
parental”, que pode ocorrer ou decorrer destes eventuais descumprimentos (além
de outras hipóteses). Pode-se brevemente indicar que ocorrer a alienação
parental quando um dos pais se afasta totalmente da vida da criança, ou em
casos mais graves, quando um dos pais (mãe ou pai) age de forma a induzir ou
manipular a criança a criança contra a outra (o pai ou a mãe). Inclusive, esta
ultima situação é muito vivenciada em situações de litígio entre o casal.
Obviamente não pretendemos afirmar categoricamente, mas é possível discutir se
a guarda compartilhada não teria
efeitos positivos sobre a possibilidade / risco de ocorrência da alienação
parental, uma vez que, como vimos, trata das responsabilidades, direitos e
deveres de pai e mãe, em função do poder familiar que ambos possuem sobre os filhos
comuns, e com isso, faz com que eles tomem decisões importantes para a
vida dos filhos (algumas listadas abaixo). Não significa dizer que devem
concordar em tudo ou em todas as situações, mas devem sempre ter em mente que
ambos tem o dever (legal) de sempre
melhor atender aos interesses dos filhos!
Vale lembrar, ainda, importante atribuição
fixada no Código Civil (art. 1634), que determina ser de competência de ambos os pais, qualquer que seja a sua
situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto
aos filhos(naturalmente enquanto menores
de idade): a) dirigir-lhes a criação e a educação; b) exercer a guarda
unilateral ou compartilhada; c)
conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; d) conceder-lhes ou
negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior; e) conceder-lhes ou
negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro
Município; f) nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro
dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;
g) representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos
atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem
partes, suprindo-lhes o consentimento; h) reclamá-los de quem ilegalmente os
detenha; i) exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios
de sua idade e condição.
Por fim, vale destacar que a guarda
compartilhada tem como fundamento a busca por uma criação mais humanizada
dos filhos a partir do evento de um divórcio ou uma separação do casal, visando
manter mães e pais em suas efetivas funções de “serem mães e pais”. Neste
modelo, a criança pode potencialmente sentir a presença efetiva (e afetiva) de
seu pai e mãe, sabendo ou transparecendo à mesma que eles têm o mesmo peso de direitos,
obrigações e responsabilidades na vida dela. De acordo com especialistas das
mais diversas áreas (em alguns casos, até quase que unanimidade), uma maior
convivência com ambos os lados (pai e mãe)certamente será positiva e terá
efeito extremamente benéfico à criança.
Colaboração e texto de : Luís
Rodolfo Cruz e Creuz, Sócio de
Cruz & Creuz Advogados. Doutorando
em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo –
USP; Mestre em Relações
Internacionais pelo Programa Santiago Dantas, do convênio das Universidades
UNESP/UNICAMP/PUC-SP; Mestre em
Direito e Integração da América Latina pelo PROLAM - Programa de Pós-Graduação
em Integração da América Latina da Universidade de São Paulo – USP; Pós-graduado em Direito Societário - LLM
- Direito Societário, do INSPER (São Paulo); Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo – PUC/SP. E-mail: luis.creuz@lrcc.adv.br
Autor
do livro “Acordo de Quotistas”. São Paulo :
IOB-Thomson, 2007. Autor do livro “Commercial
and Economic Law in Brazil”. Holanda: Wolters Kluwer - Law & Business, 2012.
Autor do livro “Defesa da Concorrência no Mercosul – Sob uma Perspectiva das Relações
Internacionais e do Direito”. São Paulo : Almedina, 2013. Co-Autor do livro
“Direito dos Negócios Aplicado – Volume I – Do Direito Empresarial”, coordenado
por Elias M de Medeiros Neto e Adalberto Simão Filho, São Paulo : Almedina,
2015, sendo autor do Capítulo “Acordo de
Quotistas aplicado aos Planejamentos Sucessórios”.
[1] Lei nº 13.058, de 22 de dezembro de 2014. Altera
os arts. 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 da Lei no 10.406,
de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para estabelecer o significado da
expressão “guarda compartilhada” e dispor sobre sua aplicação. O texto da referida
Lei está disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/Lei/L13058.htm.
Acesso 15/01/2016
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