quarta-feira, 30 de março de 2016

O que as muheres mais querem ?


Essa pergunta tem pairado na mente de muitos estudiosos e parece ser um grande enigma para um tipo de pensamento que exclui outras referências, ou seja, um pensamento unilateral, que todos nós, homens e mulheres em alguma medida possuímos e exercitamos diariamente.
Na mitologia grega podemos encontrar resquícios de reconhecimento da força, do poder, sabedoria e equidade do elemento feminino, como bem ilustra algumas alianças que Zeus, pai dos deuses e dos homens realiza. Esta mitologia guarda uma forte referência do poder das divindades masculinas, mas ainda preserva certo reconhecimento das potências femininas e seus âmbitos de atuação.
Para se estabelecer como o grande deus do Olimpo, Zeus faz várias alianças com divindades femininas,vários casamentos. Uma das possibilidades de considerar essas uniões é pensarmos nelas como metáforas poéticas que ainda hoje tem um frescor para inspirar algumas reflexões. Para se firmar no Olimpo como um grande organizador de uma nova ordem, Zeus terá que reconhecer o poder de várias divindades femininas. Em algumas versões serão sete casamentos, em outras quatro.
Um dos casamentos será com Eurynóme (filha de Oceano), é a divindade que administra a Grande Partilha. É um feminino poderoso que garante o partilhar. Dessa união nascem as três Graças (Cárites): Aglaia, Eufrosina e Tália, que representam a graça exterior, o encanto, a beleza, o reconhecimento e a gratidão, que alimentam o coração dos deuses e dos homens. Com esta aliança Zeus apreende aspectos que Eurynóme veicula. Quando o elemento masculino reconhece que o feminino possui âmbitos de atuação, uma sabedoria e ampliação do pensamento/ consciência pode surgir e determinados gestos de exclusão, rechaço e aniquilamento podem ficar minimizados frente ao outro. Ao incluir Eurynóme em suas relações, também inclui em seu repertório o que a deusa zela e advêm disso frutos preciosos – as Graças.

A partir deste gesto, Zeus ganha novas possibilidades de reger o mundo. Um de seus lemas será Partilhar é Unir, segundo a tradução e estudo do prof. Torrano, na Teogonia de Hesíodo.
Ao incluir este tema já não estamos mais numa referência unilateral de pensamento, de estar no mundo. Gosto muito deste lema, pois nos lembra de que o partilhar faz parte do contexto da união.
Esta passagem mítica nos ensina que quando um elemento reconhece o valor do outro e faz uma aliança com ele, abrem-se novas possibilidades, novos paradigmas são possíveis e nova ordem pode ser instalada.



Quando destaco o reconhecimento de um elemento pelo outro me refiro tanto ao masculino reconhecer o feminino, quanto o feminino reconhecer o masculino, no que tange o espírito de agregação e equanimidade. Penso que esse é um grande desafio aos dias de hoje. Cada um de nós sofre as conseqüências da exclusão e do excluir.
As mulheres sofrem as conseqüências da exclusão social, política, religiosa em vários países. Sofrem o não reconhecimento de seu valor profissional; sofrem a brutalidade física e psicológica. Os homens, aos excluírem o feminino, sofrem a falta de humanização e podem se transformar em seres bestiais, sem a possibilidade de convivência e diálogo com mulheres que possuem a sabedoria da memória das entranhas. Miticamente falando, perdem a sabedoria de Zeus, que representa uma divindade que traz uma nova ordem. Segundo esta linha de pensamento, sem uma nova ordem podemos mergulhar no caos. As mulheres, por outro lado, sabem o que é carregar o outro dentro de si, literalmente. São, portanto, as portadoras desta centelha da inclusão. Esta centelha pode estar adormecida e necessitando ser reconhecida.

Recentemente assisti um documentário de Malala Yousafzai – uma ativista paquistanesa – que foi baleada pelo Talibã porque defendeu o direito à educação e ganhou o premio Nobel da Paz, aos 17 anos, em 2014. Ela queria apenas que as crianças tivessem o direito de estudar, saber ler e escrever, o que em seu país é proibido. Em nome de uma religião, de um partido político, de uma ideologia perversa, são praticados atos brutais onde milhares de mulheres ficam impossibilitadas de serem vistas como humanas.
Essa exclusão provoca profundas e terríveis conseqüências para ambos. O não reconhecimento dos direitos das mulheres pode brutalizar os homens e despotencializar as mulheres. Ambos sofrem com o não reconhecimento de suas potências; ocorre uma desunião interna e externa de aspectos fundamentais para o reconhecimento do outro. Outro que é diferente e igual ao mesmo tempo. Diferente quanto às particularidades e riqueza de cada gênero e igual porque pertencem a mesma categoria: seres humanos, habitando o mesmo planeta.
Quando Zeus, o grande organizador de uma nova ordem, reconhece Eurynóme – a Grande Partilha- está incorporando essa centelha do feminino e disso resultam novos frutos. Novos frutos que não ameaçam seu poder, mas trarão novo encanto à vida. Penso que o que as mulheres mais querem é o resgate de sua soberania. O reconhecimento de seu valor, de sua humanidade, de sua potência, de sua força, de sua sabedoria que vem das entranhas, que precisa ser reconhecida e partilhada.
Partilha essa, como nos ensina o mito, pode unir e tornar as relações mais humanas e equânimes, pode fertilizar nossos corações e agraciar nossa vida. Uma trilha para os homens e mulheres do século XXI percorrerem. Como? Reconhecendo a necessidade de incluir o outro.

Colaboração : Vera Lúcia Couto – psicoterapeuta de orientação junguiana, especialista em psicologia clínica, CRP 06/10459, membro fundador da Areté- centro de estudos helênicos-SP

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